Esses corpos não ocupam
esse espaço por querer
Esses corpos se põem aqui
do jeito que estão
por pura e forte coação.
E uma criança chora.
Esses corpos de agruras,
macilentos, violentos
corpos que se cobrem
de pelancas, de queloides
e exalam cheiros desagradáveis.
E outra criança chora.
Esses corpos que ocupam esse espaço
dormiram, foram sacudidos,
amarrados e imobilizados de madrugada,
Viraram estes corpos desenxabidos,
amarrotados e descontentes.
Esses corpos que gritam por mudança,
gritam de afetação,
gritam de dores nos ossos,
gritam de dores nos músculos,
gritam até que apenas
para conferir
se ainda podem gritar.
Esses corpos que se cobrem de tecidos gastos
sejam os estriados ou os acetinados.
Esses corpos que não queriam ter vindo
São corpos que tentam vencer o cansaço.
E mais uma criança chora.
Esses corpos que têm a mesma inclinação
que todos os corpos da história,
ao longo das margens dos rios,
e também de frente para os mares.
Esses corpos se fixam e acompanham,
mudanças de tempos e ares,
comem pouco, comem muito,
comem errado ou não têm comido.
E agora, trancafiados
sem crime algum
se chocam
uns contra os outros
uns contra os outros
a procura da porta
que está vedada.
Como pretendíamos encontrar
algo diverso do que temos
se nossos corpos erroneamente
compreendem
que precisam ser e estar
uns contra os outros
uns contra os outros?
uns contra os outros!
Aliás, é possível produzir
um corpo respeitoso
e igualmente respeitado?
Dentro desses corpos não há paz
nem no nível molecular.
Crianças choram,
expõem que mal chegaram
e tampouco queriam ter vindo.
Enquanto esses corpos quase indivisos,
agora esmurram as portas.
Certamente vamos morrer logo,
eu mesma já comecei a urrar,
preciso de um banheiro
e alguém sacou um cigarro.
Vamos todos morrer
estupidamente sufocados.
aaah!
a porta da aeronave de abre.
Mas o choro das crianças não cessa.
(Poemas de Tempo e Toque – Bruna de Alencar)
24/10/2019 – Vitória/ES